O blog Inagata, que está na minha lista de favoritos, publicou anteontem uma postagem sobre duas recomendações de Jesus, em dois capítulos diferentes do Evangelho de Mateus. Com todo respeito ao articulista, que traz várias questões dignas de investigação e que só são ignoradas por aqueles que têm medo de pensar e perder a fé – pois que, para mim, a fé deve sim ser confirmada pela razão -, começo aqui minha resposta.
A comparação de trechos diferentes para estudarmos e procurarmos entender se há verdade em algum deles é de fato útil. Inútil, no entanto, seria levarmos tudo que lemos ao pé da letra, como fica claro ao começarmos pelo primeiro livro, a Gênese, que mostra Cain indo para outra terra e casando com uma mulher que, certamente, não poderia ser sua irmã - a própria ciência nos confirma que, geneticamente, isto seria altamente perigoso e traria homens cada vez menos protegidos contra doenças e propensos a nascerem com deformidades.
Com isso em mente, eis os trechos citados, agora dentro do contexto, de acordo com a tradução de C. Torres Pastorino, no livro "A Sabedoria do Evangelho":
Mt. 5: 20-26
matarás" e "quem matar, estará sujeito ao
julgamento".
22. Mas eu vos digo que todo o que se magoa
contra seu irmão, estará sujeito a julgamento;
e quem chamar seu irmão "tolo", estará
sujeito ao tribunal; e quem chamá-lo “louco",
estará sujeito ao vale dos gemidos de
fogo.
23. Se estiveres, pois, apresentando tua oferta
no altar e aí te lembrarás de que teu irmão
tem alguma coisa contra ti,
24. deixa ali tua oferta diante do altar, vai primeiro
reconciliar-te com teu irmão e depois
vem apresentar tua oferta.
25. Sê benevolente depressa com teu adversário,
enquanto estás no caminho com ele;
para que não suceda que o adversário te entregue
ao juiz, o juiz ao oficial de justiça, e
sejas recolhido à prisão;
26. em verdade te digo, que não sairás dali até
pagares o último centavo.
Mt. 23:17
13. "Mas ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!
Porque fechais diante dos homens o reino dos
céus; e nem vós entrais nem deixais entrar os
que estão entrando.
15. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Porque
rodeais o mar e a terra para fazerdes um
prosélito; e quando feito, o tornais filho da geena
o dobro de vós.
16. Ai de vós, guias cegos! que dizeis: quem jurar
pelo templo, nada é; mas quem jurar pelo ouro
do templo, fica obrigado.
17. Néscios e cegos! Pois qual é o maior, o ouro ou
o templo que santifica o ouro?
Ambos os trechos são apenas contraditórios com uma interpretação restrita, e não contextual (Mt. 5: 20-26). O primeiro contexto mostra três níveis de ofensas que afastam o homem da espiritualidade:
2 – A ofensa leve, que coloca o homem sob o julgamento dos homens. Não se deve pensar que por que alguém chama outro de tolo deve ser levado a rígido julgamento, isso seria pensar numa coisa sem lógica, avessa à inteligência.
3 – Tudo que fazemos de realmente mal para ofender o outro, não apenas com palavras, isso é uma falta grave. A conseqüência é o sofrimento no Geena (como diz o original), o “vale dos gemidos de fogo”, o que, de acordo com a doutrina espírita, parece ser uma referência ao retorno à Terra por meio de reencarnações sucessivas, nas quais a pessoa guarda responsabilidade pelas ações anteriores, de outras vidas. Outra interpretação também pode ser o tempo que o homem passa no umbral, sofrendo antes de poder reencarnar.
Essa questão é muito delicada, e é aqui que é preciso apelar para a caridade bem compreendida. Se as imperfeições de uma pessoa não prejudicam senão a ela mesma, não há jamais utilidade em fazer conhecê-las; mas se podem causar prejuízos a outros, é preciso preferir o interesse da maioria ao interesse de um só. Segundo as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, porque vale mais que um homem caia, do que vários se tornarem enganados ou suas vítimas. Em semelhante caso, é preciso pesar a soma das vantagens e dos inconvenientes. (SÃO LUÍS, Paris, 1860).
Eis outro trecho dos evangelhos que complementa e explica melhor a questão das ofensas:
será relevada aos homens; mas a má palavra
do Espírito não será relevada.
32. E quem profira um ensino contra o filho do
homem, lhe será relevado, mas o que diga
contra o Espírito Santo não lhe será relevado
nem neste ciclo nem no vindouro.
33. Ou supondes a árvore boa e seu fruto bom,
ou supondes a árvore má e seu fruto mau;
porque a árvore é conhecida pelo fruto.
34. Filhos de víboras, como podeis falar boas
coisas, sendo maus? porque da abundância
do coração a boca fala.
35. O homem bom do bom tesouro tira coisas
boas, e o homem mau do mau tesouro tira
coisas más.
36. Digo-vos, pois, que qualquer palavra inútil
que tenham falado os homens, darão conta
desse ensino no dia da discriminação.
37. porque por teus ensinos serás justificado e
por teus ensinos serás condenado".
Claro é, portanto, analisando a coerência entre os ensinamentos de Jesus, que é lícito condenarmos o mal quando prejudicar outrem, e que aquilo que nos faz mal será ou não relevado por Deus de acordo com a gravidade.
De maneira alguma Jesus poderia estar apenas falando de palavras em Mt. 5: 20-26, pois os ensinamentos dele são muito maiores do que isso.
Obrigado amigo da Inagata pela possibilidade da reflexão, e que a paz de Deus esteja contigo!